ARTICLE IN PRESS
Rev Bras Anestesiol. 2014;xxx(xx):xxx-xxx
REVISTA BRASILEIRA DE ANESTESIOLOGIA
Publicaçâo Oficial da Sociedade Brasileira de Anestesiología www.sba.com.br
INFORMACAO CLINICA
Bloqueio do quadrado lombar em dor crónica pós-hernioplastia abdominal: relato de caso
Rita Carvalho*, Elena Segura, Maria do Céu Loureiro e José Pedro Assuncao
Servico de Anestesiología, Centro Hospitalar Tondela-Viseu, Viseu, Portugal Recebido em 23 de julho de 2014; aceito em 26 de agosto de 2014
PALAVRAS-CHAVE
Crónica; Neuropática; Quadrado lombar; Ultrassom
Resumo
Justificativa e objetivos: O bloqueio fascial do músculo quadrado lombar foi descrito por R. Blanco nas suas duas abordagens (I e II). A deposicao de anestésico local nessa localizado pode conferir bloqueio dos dermátomos T6-L1. Os autores fizeram esse bloqueio fascial, guiado por ultrassom, para tratamento de uma dor crónica neuropática da parede abdominal. Relato de caso: Paciente do genero masculino, 61 anos, 83 kg, com antecedentes de tromboci-topenia por hepatopatia alcoólica, entre outros, apresentava dor crónica da parede abdominal após hernioplastias abdominais múltiplas havia um ano e meio, com má resposta ao tratamento com neuromoduladores e opioides. No exame clínico, apresentava uma dor neuropática, com predominio de alodinia ao toque, que abrangia toda a parede abdominal anterior, desde os dermátomos T7 a T12. Optou-se pela realizacao de um bloqueio do quadrado lombar tipo II bilateral, guiado por ultrassom, com administracao de 25 mL de ropivacaína 0,2% e 20mg de metilprednisolona depot em cada um dos lados. O procedimento conferiu alivio imediato da sintomatologia e, após seis meses, o paciente mantinha reducao significativa da alodinia, sem compromisso da qualidade de vida.
Conclusoes: Os autores consideram que a realizacao do bloqueio do quadrado lombar tipo II foi uma opcao analgésica relevante no tratamento de um paciente com dor crónica pós--hernioplastia abdominal e salientaram os efeitos da dispersao do anestésico local até o espaco paravertebral torácico. A técnica mostrou ser segura e bem tolerada. É desejável a publicacao de mais casos clínicos que reproduzam a eficácia desse bloqueio no contexto de dor crónica. © 2014 Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
* Autor para correspondencia. E-mail: ritasfcarvalho@hotmail.com (R. Carvalho).
http://dx.doi.Org/10.1016/j.bjan.2014.08.001
0034-7094/© 2014 Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
■ -WM RIIILE IN PRESS
R. Carvalho et al.
Quadratus lumborum block in chronic pain after abdominal hernia repair: case report Abstract
Background and objectives: The quadratus lumborum block was described by R. Blanco in its two approaches (I and II). The local anesthetic deposition in this location can provide blockade to T6-L1 dermatomes. We performed this fascial block guided by ultrasound for treating a chronic neuropathic pain in the abdominal wall.
Case report: Male patient; 61 years old; 83 kg; with a history of thrombocytopenia due to alcoholic cirrhosis, among others; had chronic pain in the abdominal wall after multiple abdominal hernia repairs in the last year and a half, with poor response to treatment with neuromodulators and opioids. On clinical examination, he revealed a neuropathic pain, with prevalence of allodynia to touch, covering the entire anterior abdominal wall, from T7 to T12 dermatomes. We opted for a quadratus lumborum block type II, guided by ultrasound, with administration of 0.2% ropivacaine (25 mL) and depot methylprednisolone (20 mg) on each side. The procedure gave immediate relief of symptoms and, after six months, the patient still had a significant reduction in allodynia without compromising the quality of life. Conclusions: We consider that performing the quadratus lumborum block type II was an important analgesic option in the treatment of a patient with chronic pain after abdominal hernia repair, emphasizing the effects of local anesthetic spread to the thoracic paravertebral space. The technique has proven to be safe and well tolerated. The publication of more clinical cases reporting the effectiveness of this blockade for chronic pain is desirable. © 2014 Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Published by Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
KEYWORDS
Chronic;
Neuropathic;
Quadratus lumborum;
Ultrasound
Introdujo
Descrito por R. Blanco,1 o bloqueio do plano fascial do músculo quadrado lombar confere um bloqueio unilateral da parede abdominal, que se pode estender desde T6-L1.2,3 O músculo quadrado lombar insere-se no bordo inferior da última costela e, por quatro tendoes, nos ápices das apó-fises transversas das vértebras L1 a L4. O anestésico local depositado na fáscia desse músculo pode ser transportado ao longo dela até o espaco paravertebral, mas também ao longo dos rolos vasculo-nervosos,2 o que confere o bloqueio dos dermátomos citados.
Os autores relatam um caso no qual fizeram um bloqueio do quadrado lombar tipo II bilateral para abordagem de uma dor crónica pós-cirúrgica.
Relato do caso
Paciente do genero masculino, 61 anos, 83 kg, referenciado para a Unidade de Dor Crónica por quadro de dor crónica da parede abdominal após hernioplastias abdominais múltiplas. Apresentava antecedentes de diabetes mellitus tipo 2, hipertensao arterial, status pós-perfuracao de úlcera do duodeno, hepatopatia alcoólica e consequente trombocito-penia (79,109/L).
O doente tinha sido submetido a quatro procedimentos cirúrgicos de correcao da parede abdominal com colocacao de prótese. O último fora feito um ano e meio antes. Desenvolveu um quadro de dor crónica de características neuropáticas após a terceira intervenccao cirúrgica, com má resposta ao tratamento com fármacos neuromoduladores e opioides. A alteracao da funcao hepática e a intolerancia aos
fármacos analgésicos constituíram uma limitacao á subida das doses terapeuticas.
O paciente apresentava uma dor neuropática, com pre-domínio de alodinia ao toque, que abrangia toda a parede abdominal anterior, desde os dermátomos T7 a T12, limitados lateralmente pela linha axilar anterior. Obtinha uma pontuacao de 8/10 na escala visual analógica (EVA) e de 9/10 no questionário específico para rastreio de dor neu-ropática (DN4), com grande interferencia na qualidade de vida.
Pela insatisfatória resposta analgésica obtida, limitada pela intolerancia medicamentosa e morbilidade hepática associada, decidiu-se fazer um bloqueio do quadrado lom-bar tipo II bilateral guiado por ultrassom, após obtencao do paciente de consentimento informado.
A técnica foi feita em decúbito dorsal, com elevaccao da pelve ipsilateral. Sob condicoes de assepsia, foi usada uma sonda de alta frequencia (5-10MHz), conectada a um aparelho de ultrassonografia, em orientaccao transversal entre a crista ilíaca e a margem costal, posterior á linha médio-clavicular. Foram identificados os planos musculares, escaneados posteriormente até visualizar o músculo qua-drado lombar, no mesmo plano que o músculo psoas major e o eretor da espinha (fig. 1).
Uma agulha de neuroestimulacao, com 100 mm de comprimento, foi introduzida fora de plano ecográfico e procedeu-se á infiltraccao subcutanea com 3 mL de lidocaína a 2% sob visualizacao com ultrassom. A ponta da agulha foi posicionada entre a face posterior do músculo quadrado lombar e a face anterior do músculo eretor da espinha. O tra-jeto da agulha foi acompanhado por ultrassom e a posicao correta da agulha confirmada com a injecao de 2 mL de soro fisiológico. Após aspiracao negativa, foram injetados 25 mL de ropivacaína 0,2% e 20 mg de metilprednisolona depot,
+JAN-33 2; No. of Pages 3 ARTICLE IN PRESS
Bloqueio do quadrado lombar em dor crónica pós-hernioplastia abdominal 3
Figura 1 Ultrassonografia da abordagem do quadrado lombar tipo II (descrita por R. Blanco).
EO, músculo oblíquo externo; IO, músculo oblíquo interno; QL, músculo quadrado lombar; P, músculo psoas major; seta, local de injeçâo.
com visualizaçcâo da difusâo do anestésico local em direçcâo ao espaçco paravertebral.
O procedimento foi repetido contralateralmente e decorreu sem incidentes ou complicaçoes. Durante o proce-dimento manteve-se sempre contato verbal com o paciente, o qual nunca manifestou desconforto.
Após 60 minutos do procedimento, o paciente revelou-se assintomático, sem alodinia em toda a parede abdominal, e reportou uma pontuacâo da VAS 0/10 na dor em repouso e em movimento. Teve alta para o domicílio após duas horas do procedimento e reportou uma grande satisfaçcâo com o controle da sua dor.
Avaliado aos cinco dias do procedimento, o paciente man-tinha alívio sintomático e reportava apenas uma sensaçâo de pressâo num dos lados da injeçâo, nâo objetivável.
Ao primeiro més do procedimento, o paciente apre-sentava reducçâo da alodinia a uma área circunscrita periumbilical de aproximadamente um quarto da área inicial e com uma pontuacâo VAS 2/10 em repouso e 6/10 em movimento. Pela trombocitopenia subjacente, decidiu--se nâo repetir o bloqueio e programar tratamento local com patch de capsaicina a 8%.
Aos seis meses do procedimento e após um tratamento local com patch de capsaicina a 8%, o paciente mantinha a zona de alodinia circunscrita à área periumbilical, com uma pontuacâo VAS 3-4/10, em repouso e em movimento, e retornara à sua atividade diária de qualidade.
Conclusoes
Do nosso conhecimento, este é o primeiro caso publicado sobre a realizacao de um bloqueio do quadrado lombar tipo II guiado por ultrassom em contexto de dor crónica pós--cirúrgica.
Os autores consideram que a realizacao do bloqueio do quadrado lombar tipo II foi uma opcâo analgésica relevante no tratamento de um paciente com dor crónica pós-hernioplastia abdominal refratária ao tratamento convencional.
A dispersâo do anestésico local e do adjuvante analgésico para o espaço paravertebral torácico foi fundamental para o alívio sintomático nesse paciente.1 O seguimento após o procedimento permitiu concluir tratar-se de uma técnica segura e bem tolerada, com efeitos laterais irrelevantes. A sua utilidade clínica viu-se limitada pela contingência hematológica do paciente à realizacâo de técnicas tera-pêuticas invasivas. Os autores optaram posteriormente por outra opçâo terapéutica da dor neuropática, como a capsai-cina a 8%.4
Os autores consideram necessária a publicacâo de mais casos clínicos que reproduzam a eficácia analgésica desse bloqueio no contexto de dor crónica.5,6
Conflitos de interesse
Os autores declaram nâo haver conflitos de interesse. Referencias
1. Blanco R. Optimal point of injection: the quadratus lumborum type I and II blocks. Anaesthesia. 2014.
2. Visoiu M, Yakovleva N. Continuous postoperative analgesia via quadratus lumborum block - an alternative to transversus abdominis plane block. Pediatric Anesthesia. 2013;23:959-61.
3. Kadam VR. Ultrasound-guided quadratus lumborum block as a postoperative analgesic technique for laparotomy. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2013;29:550-2.
4. Dworkin R, O'Connor A, Audette J, et al. Recommendations for the pharmacological management of neuropathic pain: an overview and literature update. Mayo Clin Proc. 2010;85 3 suppl:S3-14.
5. Carney J, Finnerty O, Rauf J, et al. Studies on the spread of local anaesthetic solution in transversus abdominis plane blocks. Anaesthesia. 2011;66:1023-30.
6. Borglum J, et al. Bilateral-dual transversus abdominis plane (BD--TAP) block or thoracic paravertebral block (TVPB)? Distribution patterns, dermatomal anaesthesia, and LA pharmacokinetics. Reg Anesth Pain Med. 2012;37:E137-9.