J Pediatr (Rio J). 2015;91(1):87-92
Jornal de
Pediatría
www.jped.com.br
CrossMark
ARTIGO ORIGINAL
Evaluation of clinical and laboratory variables associated with anemia in pediatric patients on hemodialysis^'^
Jonathan S. de Freitas*, Paulo Sucasas Costa, Luciane Rezende Costa e Alessandra V. Naghettini
Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brazil Recebido em 22 de janeiro de 2014; aceito em 28 de maio de 2014
KEYWORDS
Anemia;
Adolescent;
Child;
Kidney dialysis; Renal failure
Abstract
Objective: To identify the occurrence of anemia in pediatric patients on hemodialysis and the association between hemoglobin levels and anemia in CKD-related variables. Methods: This was a retrospective study. Patients aged up to 18 years with chronic kidney disease undergoing hemodialysis at this service between January of 2009 and December of 2010 were selected. Clinical and laboratory data were obtained from medical records. Statistical analysis was performed with chi-squared test, Student's t-test and general estimating equations (GEE) using SPSS 20.0, assuming a significance level of 5%.
Results: A total of 357 medical records depicting the monthly evolution of 29 patients were analyzed. The most common etiology for chronic kidney disease was malformations of the genitourinary tract (28%). Hemoglobin showed a mean (standard deviation) value of 9.20 (1.8) g/dL, with the occurrence of anemia in 65.3% of cases. Anemia was associated with hospitalization; antibiotic use; transfusion; use of intravenous iron hydroxide; low values of creatinine, hematocrit, and albumin; and high values of ferritin, aluminum, and equilibrated Kt/V (p<0.05). The odds ratio for anemia with the use of intravenous iron hydroxide was 0.36 (95% CI: 0.25 to 0.89), i.e., a 2.78-fold higher chance of developing anemia without the use of this medication. Conclusions: Anemia predominated in children and adolescents with chronic kidney disease; intravenous iron hydroxide use was a protective factor.
© 2014 Sociedade Brasileira de Pediatria. Published by Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.Org/10.1016/j.jped.2014.05.009
* Como citar este artigo: de Freitas JS, Costa PS, Costa LR, Naghettini AV. Evaluation of clinical and laboratory variables associated with anemia in pediatric patients on hemodialysis. J Pediatr (Rio J). 2015;91:87-92.
** Estudo conduzido no Programa de Pós-Graduacao em Ciencias da Saude, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiänia, GO, Brasil.
* Autor para correspondencia.
E-mail: sanfet2010@hotmail.com (J.S. de Freitas).
2255-5536/© 2014 Sociedade Brasileira de Pediatria. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
Avaliacao de variáveis clínicas e laboratoriais associadas a anemia em pacientes pediátricos em hemodiálise
Resumo
Objetivo: Identificar a ocorrencia de anemia entre pacientes pediátricos em hemodiálise e a associacao entre os valores de hemoglobina e variáveis relacionadas á anemia na DRC. Métodos: Estudo retrospectivo. Selecionados pacientes até 18 anos com doenca renal crónica em hemodiálise no servico entre janeiro de 2009 e dezembro de 2010. Verificados prontuários para coleta de dados clínicos e laboratoriais. Análise estatística com testes de qui-quadrado, t de Student e General Estimating Equations (GEE) em programa Statistical Package for the Social Sciences 20.0, assumindo-se nível de significancia de 5%.
Resultados: Analisadas 357 fichas de evolucao médica mensal de 29 pacientes. A etiologia mais frequente para a doenca renal crónica foram as malformacöes do trato genito-urinário (28%). Hemoglobina apresentou valor médio (desvio padrao) de 9,20 (1,8) g/dL, com ocorrencia de anemia em 65,3% das consultas. Anemia associou-se a internacao, uso de antibiótico, transfusao, uso de hidróxido de ferro endovenoso, valores baixos de creatinina, hematócrito e albumina e valores altos de ferritina, aluminio e Kt/V equilibrado (p < 0,05). A odds ratio para anemia com uso de hidróxido de ferro endovenoso foi 0,36 (95% IC 0,25-0,89), ou seja, uma chance 2,78 vezes maior de desenvolver anemia sem o uso dessa medicacao.
Conclusöes: A anemia predominou em criancas e adolescentes com doenca renal crónica, tendo como fator protetor o uso de hidróxido de ferro endovenoso.
© 2014 Sociedade Brasileira de Pediatria. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
PALAVRAS-CHAVE
Anemia; Adolescente; Crianca; Diálise renal; Insuficiência renal
Introdujo
A prevaléncia de terapia renal substitutiva em criancas até 19 anos no Brasil é de 23 por milhao da populacao de faixa etária relacionada. A sobrevida dessas criancas é cerca de 30 vezes menor do que a de seus pares saudáveis. A principal causa de mortalidade nesse grupo sao as doencas cardiovasculares, que chegam a 40% dos óbitos, e a anemia já foi identificada como um fator relacionado ás maiores taxas de mortalidade.1,2
A prevalencia de anemia em criancas brasileiras sem diagnóstico de qualquer doenca tem variado entre 25,6% e 63,7%.3,4 Na crianca com doenca renal crónica (DRC) a anemia crónica hiporregenerativa é comum e, uma vez mal controlada, pode levar a danos no crescimento e desen-volvimento, hipertrofia ventricular esquerda e taquicardia. Quando em hemodiálise, perdas de sangue no circuito da máquina e espoliacao devida a exames frequentes contri-buem para agravar ainda mais a anemia.5
A anemia é um fator limitante á sobrevida das crianccas em hemodiálise. Dessa forma, este trabalho teve o objetivo de identificar a ocorrencia de anemia entre pacientes pediátricos em hemodiálise e a associaccao entre os valores de hemoglobina e variáveis relacionadas á anemia na DRC.
Métodos
Desenho e local do estudo
Estudo de coorte retrospectivo aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa Médica Humana e Animal do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG). Os
dados foram coletados no Servico de Terapia Renal Substitutiva, Setor de Hemodiálise do HC/UFG.
Participantes
Eram submetidos á hemodiálise no HC/UFG entre janeiro/2009 e dezembro/2010 os pacientes que obe-deceram aos critérios de inclusao: idade inferior a 18 anos e diagnóstico de doencca renal crónica terminal. Excluíram-se os casos cujos prontuários nao estavam acessíveis.
Coleta de dados e variáveis
Um pesquisador especialista (nefropediatra) coletou os dados das variáveis de interesse a partir dos prontuários dos pacientes, especificamente das fichas de evoluccao médica mensal, e registrou-os em formulário digital. O levanta-mento das fichas ocorreu no Setor de Hemodiálise e no Setor de Arquivos Médicos e Informales em Saúde do HC/UFG.
A variável dependente foi a ocorréncia de anemia medida pela dosagem de hemoglobina sérica (mg/dL).
As variáveis independentes foram: variáveis clínicas -internacoes, uso de antibióticos no més (se usou ou nao), transfusoes de concentrados de hemácias e principais medicamentos usados no tratamento da anemia (ácido fólico, complexo B, vitamina C, eritropoietina e hidróxido de ferro endovenoso); variáveis laboratoriais - os exames séricos feitos na rotina do servicco, definidos a partir da Resoluccao n° 154 da Agéncia Nacional de Vigilancia Sanitária do Brasil com ajustes pertinentes: ureia pré-sessao de hemodiálise, creatinina, hemoglobina, hematócrito, pH, bicarbonato, ferritina, índice de saturaccao de transferrina (IST), ferro,
paratormónio (PTH), albúmina e aluminio.6 O Kt/V equilibrado (eKt/V) foi calculado como proposto por Fischbach et al.7
Análise estatística
Os dados foram tabulados e analisados por estatística des-critiva e inferencial no programa IBM SPSS Statistics versáo 20 (IBM Corporation, NY, EUA).
Após análise exploratoria dos dados, as variáveis continuas foram categorizadas com base em parámetros clínicos com vistas a uma melhor interpretacáo dos resultados, haja vista o limitado número de sujeitos incluidos no estudo. Os valores de hemoglobina sérica foram classificados como ''adequados'' ou ''inadequados'' (anemia) conforme preconizado pelo National Institute for Health and Clinical Excellence (Nice) em 2011,8 que considera dois grupos etá-rios (até dois anos e maiores de dois). Foi entáo usado o teste t de Student e o qui-quadrado de Pearson para testar as associates entre as variáveis descritas e a ocorrencia de anemia.
Este estudo de delineamento observacional longitudinal incluiu medidas repetidas para uma mesma variável em um mesmo sujeito. Como a variável dependente é categórica (ter ou náo anemia), a análise de variáncias para medidas repetidas náo poderia ser usada. Também, a regressáo linear múltipla seria contraindicada, porque o pressuposto de independencia das variáveis aleatorias náo poderia ser atendido, já que os dados tem uma relacáo de interdependencia (medidas repetidas). Dessa forma, a análise estatística que melhor determina as variáveis preditivas para a anemia sáo as Equacoes de Estimativa Generalizada (Generalized Estimated Equations - GEE).9
A abordagem da GEE, que é uma extensáo dos modelos lineares generalizados, foi desenvolvida para produzir estimativas de regressáo mais eficientes e menos preconcei-tuosas para uso com dados correlacionados, como medidas repetidas longitudinais.10 Assim, a GEE analisa os dados na dependencia de exposicáo em períodos de tempo sucessivos.
Para a análise deste estudo, foi montado um modelo para a variável dependente ''anemia''. As variáveis independentes foram "internacáo", ''infeccáo de cateter de duplo lúmen - CDL'', ''uso de antibiótico'', ''uso de hidróxido de ferro endovenoso''. Os dados faltantes foram tratados por meio do mecanismo de GEE que usa todos os dados disponíveis para incluir dados de evasáo. Os odds ratio (OR) e intervalos de confianca de 95% (IC) foram calculados para refletir as possíveis associacoes entre fatores preditores e variável dependente.
Todos os testes estatísticos foram bicaudais, com nivel de significáncia de 0,05.
Resultados
Incluíram-se 31 pacientes, mas dois foram excluidos por prontuários inacessíveis. A amostra final foi de 29 pacientes, o que corresponde a 357 fichas de evolucáo médica mensal produzidas em 24 meses. Cada paciente foi acompanhado por uma a 23 consultas. A idade média dos pacientes no iní-cio do estudo foi de 10 anos e tres meses (desvio padráo 34,6 meses). Dos 29 pacientes incluídos, 21 foram do sexo masculino (72,4%). As etiologias da IRC com suas respectivas porcentagens encontram-se na figura 1.
Todos os pacientes, exceto um, apresentaram anemia em algum momento de seu seguimento, o que correspondeu a 65,3% das consultas (n = 233). Os valores médios (desvio padráo) de hemoglobina (g/dL) para os grupos categorizados foram: com anemia - 8,2 g/dL (1,2); sem anemia - 11,2 g/dL (1,0) (p< 0,001). O valor médio de hemoglobina para o total da amostra foi 9,2 (1,8).
A análise bivariada mostrou que a anemia esteve associ-ada a diversas situacoes clínicas (tabela 1): necessidade de internacáo, uso de antibiótico, transfusáo e menor frequen-cia de uso de hidróxido de ferro endovenoso (p<0,05). Quanto aos achados laboratoriais, a anemia relacionou-se a menores valores de creatinina, hematócrito e albumina, assim como a maiores valores de ferritina, alumínio e Kt/V equilibrado (tabela 1).
Indeterminada
Disturbio Metabólico Urinário (Nefrocalcinose/Hiperoxalose)
Sequela de Insulto Agudo (SHU/Sepse) DRPAR GESF
Associagao Malformagao TGU + Bexiga Neurogenica Exclusivamente Bexiga Neurogenica
Exclusivamente Malformagoes do TGU
Figura 1 Etiologia da insuficiencia renal crónica.
SHU, síndrome hemolítico uremica; DRPAR, doenca renal policística autossómica recessiva; GESF, glomeruloesclerose segmentar e focal; TGU, trato genito urinário. Total =100%.
Tabela 1 Associacao entre variáveis clínicas e laboratoriais e ocorrencia de anemia em criancas com doenca renal crónica em hemodiálise (357 fichas de 29 pacientes)
Variáveis independentes n Total da amostra Anemia Sim (n = 233) Nao (n = 124) p
Historia médica, n (%)
Necessidade de internacao 316 52 (14,6%) 43 (20,7%) 9 (8,3%) 0,005a
Uso de antibiótico 316 60 (16,8%) 48 (23,1%) 12 (11,1%) 0,010a
Necessidade de transfusao 316 11 (3,1%) 56 (26,9%) 3 (2,8%) <0,001a
Infeccao do cateter de duplo 316 59 (16,5%) 10 (4,8%) 1 (0,9%) 0,105a
Principáis medicamentos usados no tratamento da anemia, n (%)
Ácido fólico 339 333 (93,3%) 222 (98,7%) 111 (97,4%) 0,392a
Complexo B 339 332 (93,0%) 221 (98,2%) 111 (97,4%) 0,601a
Vitamina C 339 327 (91,6%) 219 (97,3%) 108 (94,7%) 0,222a
Eritropoietina 321 303 (84,9%) 201 (94,4%) 102 (94,4%) 0,977a
Hidróxido de ferro endovenoso 318 160 (44,8%) 89 (42,4%) 71 (65,7%) <0,001a
Exames laboratoriais, média (desvio padräo)
Ureia pré-sessao de 353 140,5 (42,3) 143,2 (42,9) 135,5 (40,8) 0,104b
hemodiálise (mg/dL)
Creatinina (mg/dL) 352 6,2 (2,1) 5,9 (2,1) 6,6 (2,1) 0,002b
Hematócrito (%) 356 28,3 (5,7) 25,1 (4,0) 34,3 (3,0) <0,001b
Potencial hidrogenionico (pH) 119 7,4 (0,6) 7,4 (0,1) 7,4 (0,1) 0,177b
(V.A.)
Bicarbonato (mmol/L) 120 20,2 (3,8) 19,8 (3,4) 20,7 (4,1) 0,197b
Ferritina (ng/L) 351 709,3 (460,0) 754,0 (479,1) 625,1 (413,1) 0,012b
Índice de saturacao de 357 35,5 (19,4) 36,0 (20,2) 34,5 (17,9) 0,474b
transferrina (IST) (%)
Ferro (uG/dL) 340 75,7 (93,5) 74,7 (95,9) 78,0 (89,8) 0,754b
Paratormonio (PTH) (pg/mL) 347 520,3 (495,1) 526,2 (519,4) 513,2 (450,7) 0,815b
Albúmina (g/dL) 343 3,9 (0,5) 3,8 (0,6) 4,1 (0,2) <0,001b
Aluminio (ug/dL) 167 24,1 (28,6) 28,0 (30,8) 16,0 (21,6) 0,011b
Kt/V equilibrado (eKt/V) (V.A.) 294 1,9 (0,4) 2,0 (0,4) 1,8 (0,4) 0,004b
V.A., valor absoluto.
Valores em negrito representam associates estatisticamente significantes (p < 0,05). a Qui-quadrado de Pearson. b Teste t de Student.
A partir dos resultados do qui-quadrado e teste t de Student, buscou-se determinar os fatores clínicos predito-res para anemia nesse grupo de pacientes, considerando as variáveis clínicas que alcancaram p<0,2 na análise bivariada. Dentre essas, excluiu-se a ''necessidade de
transfusao'', pois nao há lógica em avaliar essa variá-vel como preditora de anemia. Assim, por meio da GEE, mostrou-se que o uso de hidróxido de ferro endovenoso foi fator de protecao para anemia (tabela 2): a chance de criancas em hemodiálise terem anemia quando usaram esse
Variáveis Odds ratio Intervalo de confianca 95% p
independentes Mínimo Máximo
Necessidade de 1,00 0,52 1,93 0,988
internaccao
Uso de antibiótico 1,97 0,89 4,35 0,095
Infecccao de cateter 4,13 0,49 34,60 0,191
de duplo lumen
Uso de hidróxido de 0,36 0,25 0,89 < 0,001
ferro endovenoso
Tabela 2 Fatores clínicos preditores da anemia em criancas e adolescentes em hemodiálise
medicamento foi 0,36 vezes a chance daquelas que náo o usaram. Calculando o inverso de 0,36, tem-se que a chance de crianccas que náo usaram o hidróxido de ferro endovenoso terem anemia foi 2,78 vezes a chance das que o usaram. As demais variáveis náo se apresentaram como preditoras significantes na GEE.
Discussáo
Este artigo ressalta a alta prevalencia de anemia em crianccas em hemodiálise, a despeito da administracáo de eritropoi-etina recombinante humana, e reafirma a importáncia da suplementaccáo de ferro endovenoso nessa populaccáo.
Em relaccáo aos aspectos clínicos do presente estudo, cabe ressaltar que dentre as causas de IRC as malformacoes congenitas do trato urinários foram as mais prevalentes, em consonáncia com os dados obtidos de países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Entretanto, a bexiga neurogenica foi a segunda causa mais prevalente observada por nós e por pesquisadores da Turquia, enquanto em países desenvolvidos foram as glomerulonefrites e nefropatias hereditárias. Isso pode refletir um atraso no diagnóstico e tratamento de problemas urológicos em países em desenvolvimento.1,11"13 É importante destacar o uso de medicamentos para o tratamento da anemia da DRC: 94,4% de uso de eritropoietina; 50,5% de uso de hidróxido de ferro endovenoso no presente estudo. No censo brasileiro de diálise de 2011 a prescricáo dessas medicacoes foi respectivamente de 80,0% e 53,1%.14 Os valores de hemoglobina (HGB) alvo para criancas e adolescentes com DRC descritos na literatura sáo divergentes e vem sendo revistos ao longo dos últimos anos.12,15,16 Sabe-se que em criancas e adolescentes devem-se levar em consideraccáo idade e sexo para definir os valores alvo de hemoglobina.17 Consideramos a última recomendacáo do Nice8 para definir a HGB dos pacientes como ''adequada'' ou ''inadequada''; assim, foram encontrados, no presente estudo, a HGB abaixo dos valores esperados (anemia) na mai-oria das fichas mensais (65,3%) dos pacientes, ainda muito acima do encontrado no último censo brasileiro de diálise (39,3%).14 Acreditamos que essa diferenca se deva á metodologia do estudo, no qual o mesmo paciente com anemia é revisto em meses sucessivos, e é hiperestimada a frequencia de anemia. Em outros estudos, normalmente é considerado o valor de hemoglobina em uma única medida anual (um mes do ano somente) e acreditamos que isso, por outro lado, pode subestimar a prevalencia de anemia. A HGB média (desvio padráo) observada foi de 9,2 (1,8) g/dL. Comparativamente, dados americanos revelam HGB média de 11,5 (1,6) g/dL e 68% dos pacientes estáo dentro dos valores alvo de HGB.2 Dados do Reino Unido mostraram que a maioria das crianccas em terapia renal substitutiva é anemica (47% das criancas em hemodiálise).18 Estudo polonés observou HGB média de 10,91 (1,2) g/dL.19
Já é sabido que a HGB sérica varia com o passar dos meses e estáo relacionadas á HGB abaixo de 11 g/dL a retirada da eritropoietina nos últimos 60 dias e a hospitalizaccáo. Quanto maior o tempo de hospitalizaccáo, maior a chance de quedas mais significativas dos valores de HGN.20 Encontramos 14,6% de internaccáo, o que também pode ter contribuído para anemia na nossa populaccáo. Valores adequados de albumina sérica estáo relacionados com valores de HGB adequados.21
Encontramos albúmina sérica média adequada, o mesmo sendo observado por outros autores.15,19 Identificamos bons marcadores de ferritina e índice de saturaçâo de transfer-rina (IST), uma vez que os estoques de ferro sâo repostos de modo endovenoso, conforme preconizado na literatura há mais de uma década para pacientes em hemodiálise que recebem eritropoietina humana.22,23
Em 91,6% das fichas, os pacientes estavam recebendo vitamina C, o que é importante para liberacâo do ferro armazenado no organismo, que garante seu uso para eritropoiese.24,25
Na GEE, foi fator protetor contra a anemia o fato de ter recebido hidróxido de ferro endovenoso no mês. A variá-vel ''transfundiu'' foi retirada da análise pela GEE, pois em última análise reflete o evento ao longo do mês. Na primeira quinta-feira de cada mês era coletada amostra de sangue para os exames mensais. Aqueles com critérios para recebe-rem concentrado de hemácias (entre eles os baixos valores de HGB) recebiam o hemoderivado em sessoes posteriores. Assim a resposta ''sim'' à variável ''transfundiu'' identificará que naquele mês os valores de hemoglobina eram demasiadamente baixos e o paciente necessitou de hemo-transfusâo. Por isso, obviamente, o evento ''transfusâo'' poderia ser erroneamente indicado como fator de risco para a anemia na GEE.
A principal limitacâo deste estudo deve-se ao fato de ser retrospectivo, com análise de dados contidos em prontuá-rios. É um viés dos estudos retrospectivos a falta de controle na coleta de dados, bem como a perda de informacoes, que comprometeu a casuística e diminuiu o poder de repre-sentatividade dos dados. As medidas repetidas longitudinais foram tratadas pela GEE.
A populaçâo estudada foi de criancas e adolescentes com doenca renal crónica terminal em hemodiálise. A anemia foi predominante e teve como fator protetor o uso de hidróxido de ferro endovenoso.
Conflitos de interesse
Os autores declaram nao haver conflitos de interesse.
Referencias
1. Harambat J, Van Stralen KJ, Kim JJ, Tizard J. Epidemiology of chronic kidney disease in children. Pediatr Nephrol. 2012;27:363-73.
2. Neu AM, Frankenfield DL. Clinical outcomes in pediatric hemodialysis patients in the USA: lessons from CMS' ESRD CPM project. Pediatr Nephrol. 2009;24:1287-95.
3. Costa JT, Bracco MM, Gomes PA, Gurgel RQ. Prevalence of anemia among preschoolers and response to iron supplementation. J Pediatr (Rio J). 2011;87:76-9.
4. Bortolini GA, Vitolo MR. Relationship between iron deficiency and anemia in children younger than 4 years. J Pediatr (Rio J). 2010;86:488-92.
5. Müller D, Goldstein SL. Hemodialysis in children with end-stage renal disease. Nat Rev Nephrol. 2011;7:650-8.
6. Brasil. Agencia Nacional de Vigilancia Sanitária. Resolucäo RDC 154 de 15 de junho de 2004. Estabelece o regulamento técnico para o funcionamento dos servicos de diálise. Diário Oficial da Uniao. 2004;115:64-9.
7. Fischbach M, Edefonti A, Schroder C, Watson A, European Pediatric Dialysis Working Group. Hemodialysis in children: general practical guidelines. Pediatr Nephrol. 2005;20:1054-66.
8. National Clinical Guideline Centre. Anaemia management in people with chronic kidney disease. Clinical guideline. London: National Institute for Health and Clinical Excellence (Nice); 2011. p. 38.
9. Guimaraes LS, Hirakata VN. Uso do modelo de equacoes de estimativas generalizadas na análise de dados longitudinais. Rev HCPA. 2012;32:501-11.
10. Liang KY, Zeger SL. Longitudinal data analysis using generalized linear models. Biometrika. 1986;73:13-22.
11. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD-MBD Work Group. KDIGO clinical practice guideline for the diagnosis, evaluation, prevention, and treatment of chronic kidney disease-mineral and bone disorder (CKD-MBD). Kidney Int Suppl. 2009;113:S1 -130.
12. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO). KDIGO clinical practice guideline for anemia in chronic kidney disease. Kidney Int Suppl. 2012;2:S279-335.
13. VanDeVoorde RG, Barletta GM, Chand DH, Dresner IG, Lane J, Lin JJ, et al. Blood pressure control in pediatric hemodialysis: the Midwest Pediatric Nephrology Consortium Study. Pediatr Nephrol. 2007;22:547-53.
14. Sesso RC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Watanabe Y, Santos DR. Diálise crónica no Brasil - Relatório do Censo Brasileiro de Diálise, 2011. J Bras Nefrol. 2012;34:272-7.
15. National Collaborating Centre for Chronic Conditions. Anaemia management in chronic kidney disease, National clinical guideline for management in adults and children. London: Royal College of Physicians; 2006. p. 172.
16. KDOQI; National Kidney, Foundation, KDOQI, clinical. practice guidelines and clinical practice recommendations for anemia in chronic kidney disease. Am, J, Kidney, Dis. 2006;47:s90-3.
17. Filler G, Mylrea K, Feber J, Wong H. How to define anemia in children with chronic kidney disease? Pediatr Nephrol. 2007;22:702-7.
18. Pruthi R, Maxwell H, Casula A, Tse Y, Sinha MD, O'Brien C, et al. UK renal registry 14th annual report: chapter 11 clinical, hae-matological and biochemical parameters is patients receiving renal replacement therapy in paediatric centers in the UK in 2010: national and centre-specific analyses. Neprhon Clin Pract. 2012;120:c219-32.
19. Jander A, Wiercinski R, Balasz-Chmielewska I, Miklaszewska M, Zachwieja K, Borzecka H, et al. Anaemia treatment in chronically dialysed children: a multicentre nationwide observational study. Scand J Urol Nephrol. 2012;46:375-80.
20. Spiegel DM, Gitlin M, Mayne T. Factors affecting anemia management in hemodialysis patients: a single-center experience. Hemodial Int. 2008;12:336-41.
21. Smith LB, Fadrowski JJ, Howe CJ, Fivush BA, Neu AM, Furth SL. Secondary hyperparathyroidism and anemia in children treated by hemodialysis. Am J Kidney Dis. 2010;55:326-34.
22. Kooistra MP, Niemantsverdriet EC, Van Es A, Mol-Beermann NM, Struyvenberg A, Marx JJ. Iron absorption in erythropoietin--treated haemodialysis patients: effect of iron availability, inflammation and aluminium. Nephrol Dial Transplant. 1998;13:82-8.
23. Silva J, Andrade S, Ventura H, Santos JP, Colaco S, Oliveira C, et al. Iron supplementation in haemodialysis - Practical clinical guidelines. Nephrol Dial Transplant. 1998;13:2572-7.
24. Handelman GJ. Vitamin C deficiency in dialysis patients - Are we perceiving th tip of an iceberg? Nephrol Dial Transplant. 2007;22:328-31.
25. Horl WH, Macdougall IC, Rossert J, Schaefer RM. OPTA -Therapy with iron and erythropoiesis-stimulating agents in chronic kidney disease. Nephrol Dial Transplant. 2007;22, iii2-6.