Will I I'PW^M IIIIII.E IN PRESS
Rev Port Endocrinol Diabetes Metab. 2014;xxx(xx):xxx-xxx
Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo
www.elsevier.pt/rpedm
Revisâo
Hiperplasia congénita da suprarrenal nâo clássica - aspetos relevantes para a prática clínica
Teresa Azevedo3 *, Teresa Martins3, Manuel Carlos Lemosa,b e Fernando Rodrigues3
a Serviço de Endocrinologia do Instituto Portugués de Oncologia de Coimbra Francisco Gentil, EPE, Coimbra, Portugal b Centro de Investigacao em Ciéncias da Saúde (CICS), Universidade da Beira Interior, Covilha, Portugal
INFORMAÇAO SOBRE O ARTIGO
RESUMO
Historial do artigo: Recebido a 17 de abril de 2013 Aceite a 17 de dezembro de 2013 On-line a xxx
Palavras-chave:
Hiperplasia congénita suprarrenal nao clássica
Deficiencia de 21-hidroxilase Tratamento
Objetivo: A hiperplasia congénita da suprarrenal nao clássica (HCSRNC) é uma das doencas autossó-micas recessivas mais frequentes que, na grande maioria dos casos, ocorre por deficiencia da enzima 21-hidroxilase (21-OH). Com o presente artigo pretende-se fazer uma revisao sobre os aspetos relevantes desta doenca na prática clínica diária, em especial nas áreas da pediatria, endocrinologia e obstetricia. Métodos: Foi efetuada uma revisao bibliográfica através da base de dados eletrónica MEDLINE de arti-gos publicados entre 1990-2013. Foram utilizadas as palavras-chave: «hiperplasia da suprarrenal nao clássica» e «deficiencia de 21-hidroxilase».
Conclusoes: A apresentacao clínica da HCSRNC é variável, desde a ausencia completa de sintomas até a existencia de um ou vários sintomas relacionados com o excesso de androgénios, como pubarca precoce, hirsutismo, oligomenorreia, acne ou infertilidade. O diagnóstico é confirmado através da prova de estimulacao com tetracosactídeo. O tratamento deve ser efetuado apenas se houver sintomatologia, deve ser individualizado e tem como objetivos principais evitar uma puberdade precoce com encerra-mento epifisário prematuro, regularizar os ciclos menstruais, promover a fertilidade e atenuar o acne e hirsutismo.
© 2013 Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo. Publicado por Elsevier
España, S.L. Todos os direitos reservados.
Nonclassical congenital adrenal hyperplasia - relevant aspects for clinical practice
ABSTRACT
Keywords:
Non classic congenital adrenal hyperplasia
21 Hydroxilase deficiency
Treatment
Aim: Nonclassical congenital adrenal hyperplasia is one of the most common autosomal recessive disorders and, in the majority of cases, is due to 21-hydroxylase (21-OH) enzyme deficiency. With this article we intend to review the relevant aspects of this disease in daily clinical practice, particularly in the areas of pediatrics, endocrinology and obstetrics.
Methods: A bibliographic review was performed through the electronic database MEDLINE, for articles published between 1990 and 2013. The keywords used were "nonclassical adrenal hyperplasia" and "21-hydroxylase deficiency."
Conclusions: The clinical presentation of nonclassical adrenal hyperplasia is variable: it can be asymptomatic or cause symptoms related to androgen excess as premature pubarche, hirsutism, oligomenorrhea, acne or infertility. The diagnosis is confirmed by a tetracosactide stimulation test. Treatment is reserved for symptomatic individuals, must be individualized and its main goals are to avoid premature pubarch with premature epiphyseal fusion, to regulate the menstrual cycles, to promote fertility and to reduce hirsutism and acne.
© 2013 Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo. Published by Elsevier
España, S.L. All rights reserved.
* Autor para correspondencia. Correio eletrónico: tcmfazevedo@gmail.com (T. Azevedo).
1646-3439/$ - see front matter © 2013 Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo. Publicado por Elsevier España, S.L. Todos os direitos reservados. http://dx.doi.org/10.1016/j.rpedm.2013.12.001
MIIMi^M AI IIIII.E IN PRESS
T. Azevedo etal./ Rev Port Endocrinol Diabetes Metab. 2014;xxx(xx):xxx-xxx
Introducao
A hiperplasia congénita da suprarrenal (HCSR) consiste num grupo de doencas genéticas autossómicas recessivas em que uma ou mais etapas da biossíntese do cortisol estao afetadas, devido a mutacoes nos genes que codificam as enzimas envolvidas na esteroidogénese1. Uma síntese insuficiente de cortisol conduz a um aumento de hormona libertadora de corticotropina (CRH) e de hormona adrenocorticotrópica (ACTH), o que provoca estimulacao do córtex da suprarrenal, levando a sua hiperplasia2. Cerca de 90-95% dos casos sao causados por deficiencia da enzima 21-hidroxilase (21-OH)3. Esta enzima é responsável pela conversao de 17-hidroxiprogesterona (17-OHP) em 11-desoxicortisol e é codificada pelo gene CYP21A21. A gravidade da doenca depende do tipo de mutacao da enzima 21-OH4. Verifica-se acumulacao dos precursores hormonais a montante do defeito enzimático como é o caso da 17-OHP. Estes precursores sao desviados para a via da síntese de androgénios, que nao necessita da 21-OH, levando a níveis elevados de androstenediona, testosterona, dihidrotestos-terona e estrogénios aromatizados perifericamente2,3 (fig. 1). Nas formas mais graves de HCSR, «formas clássicas», há défice de cortisol e de aldosterona em 100 e 75% dos casos, respetivamente,
e o seu diagnóstico é efetuado logo no período neonatal ou na pequena infancia com insuficiencia suprarrenal. A prevalencia global de HCSR clássica é de 1:10.000 a 1:18.000 nascimentos (varia de 1:280 nos esquimós Yupic até 1:28.000 na China)1,5. A incidencia é semelhante em homens e mulheres, contudo, nos doentes do sexo masculino o diagnóstico raramente é efetuado a nascenca4. Nas formas mais leves, «formas nao clássicas», a atividade enzimática está diminuida, contudo, é suficiente para manter uma producao glicocorticoide e mineralocorticoide adequadas, ainda que se verifique um aumento de producao de androgénios, o que lhes confere um início mais tardio com sinais de hiperandrogenismo ou podem mesmo ser assintomáticas. A sua prevalencia global é de cerca de 1:1.0003.
Epidemiología
A HCSRNC é uma das doencas autossómicas recessivas mais frequentes, estando sem dúvida subdiagnosticada, especialmente nos homens4. A sua prevalencia varia de acordo com a raca e etnia, sendo de cerca de 0,1% na populacao geral, 1% em Nova Ior-que, 1-2% nos hispánicos e 3-4% nos judeus Ashkenazi (Europa de Leste)1,3,4,6.
Cortisol
Colesterol
desmolase
1 17a-hidroxilase 17a-hidroxilase
Pregnenolona 17,20-liase 17-OH Pregnenolona 17,20-liase DHEA
3ß-hidroxiesteroide desidrogenase
3ß-hidroxiesteroide desidrogenase
Progesterona
17a-hidroxilase 17,20-liase
17-OH Progesterona
21-hidroxilase 21-hidroxilase
Desoxicorticosterona
11 -desoxicortisol
11 ß-hidroxilase
11 ß-hidroxilase
Corticosterona
Cortisol
18-hidroxilase
3ß-hidroxiesteroide desidrogenase
17a-hidroxilase 17,20-liase
Androstenediona
17ß-hidroxiesteroide desidrogenase
Testosterona
ANDROGENIOS
18-OH Corticosterona
18-oxidase
Aldosterona
Figura 1. Representado da esteroidogénese, salientando-se que uma deficiencia da enzima 21-hidroxilase provoca um défice de mineralocorticoides e de glicocorticoides e um excesso de androgénios. DHEA: dihidroepiandrostenediona.
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Nas mulheres com hiperandrogenismo estima-se que a preva-lencia de HCSRNC seja de cerca de 2%, variando entre 0,6-9,0%, dependendo das séries7-10. A percentagem de criancas com puberdade precoce que tem HCSRNC é incerta, com descricao desde prevalencias muito baixas até valores de 30% em grupos de alto risco3. Também é desconhecida a prevalencia de HCSRNC em homens com oligospermia.
Existe uma elevada frequencia de portadores assintomáticos: 10% na forma nao clássica e 1,6% na forma clássica3,11.
Devido ao estigma e ansiedade provocados pelo diagnóstico de uma doenca genética, alguns autores sugerem que a forma nao clássica de HCSR só deve ser catalogada como doenca genética no caso de apresentar sinais de excesso de androgénios, caso contrário deve ser encarada como um polimorfismo genético3.
Genética
Os seres humanos tem 2 genes CYP21A: um pseudogene nao funcional (CYP21P ou CYP21A1) e um gene ativo (CYP21 ou CYP21A2), ambos localizados no braco curto do cromossoma 612. A mutacao em causa é que vai condicionar a percentagem de atividade enzimá-tica da 21-OH que, por sua vez, determina a gravidade da doenca. Nas formas nao clássicas, a 21-OH apresenta cerca de 20-50% da sua atividade3,4. Assim, o fenótipo é variável dependendo do grau de défice enzimático, existindo uma boa correlacao entre o genó-tipo e o fenótipo, documentada em cerca de 98% dos casos3,4,12. Existem muitos polimorfismos no gene CYP21 com normal funcao enzimática. A mutacao missense V281L é a mais frequentemente associada a HCSRNC. Outras mutacoes associadas a esta patologia sao as mutacoes missense P30L, P453S e R339H1,4,10.
A maioria dos doentes sao heterozigotos compostos, ou seja, apresentam mutacoes diferentes em cada um dos alelos, sendo a forma clínica determinada pelo alelo com maior atividade enzimática12. Os portadores apresentam um alelo normal e um alelo mutado e nao tem doenca clínica, ainda que possam apresentar alteracoes bioquímicas discretas3.
O facto de a correlacao genótipo-fenótipo nao ser a 100% sugere a influencia de outros genes e do ambiente no aparecimento de manifestares clínicas. A variacao interindividual na biossíntese e sensibilidade aos androgénios também tem importancia nas manifestares clínicas da doenca3.
Manifestacoes clínicas
A HCSRNC tem habitualmente um início tardio com apareci-mento de sinais de hiperandrogenismo no final da infancia, na adolescencia ou no início da idade adulta. A sua apresentacao clínica é muito variável, desde a ausencia completa de sintomas até a evidencia de um ou vários sinais de excesso de androgénios4. Os sinais que devem alertar o clínico para esta patologia sao: pubarca precoce, idade óssea avanzada, hirsutismo, acne, oligomenorreia ou infertilidade1. Nao existem alteracoes hidroeletrolíticas uma vez que nao há défice das linhasglicocorticoide e mineralocorticoide13.
Nas criancas, podem ocorrer sinais de hiperandrogenismo como pubarca prematura, acne e crescimento acelerado com elevada estatura na infancia, com idade óssea avancada (+2,0 desvios--padrao para idade e sexo) com encerramento precoce das epífises, o que vai condicionar baixa estatura na idade adulta3,4,14. Nao se verifica ambiguidade sexual.
Nas mulheres, as manifestares clínicas variam de acordo com a idade. Na infancia podem ocorrer as manifestares clínicas anteriormente referidas para as criancas. Na adolescencia e idade adulta, de acordo com alguns estudos, pode ocorrer hirsutismo (59%), oli-gomenorreia (54%), acne (33%), infertilidade (13%), clitoromegalia (10%), alopecia (8%) ou amenorreia primária (4%)10,15-17. O risco
de abortamento espontaneo parece ser maior nas mulheres com HCSRNC (26%) do que nas mulheres sem esta patologia15. Cerca de 50% das mulheres com HCSRNC necessitam de terapéutica glicocorticoide para engravidar2,15. É muitas vezes difícil fazer o diagnóstico diferencial com a síndrome do ovário poliquístico, uma vez que a apresentacao clínica pode ser similar8.
Nos doentes do sexo masculino os órgaos genitais sao normais; pode ocorrer puberdade precoce e acne e verifica-se um crescimento somático muito rápido com maturacao precoce do esqueleto, o que pode condicionar baixa estatura final1. A maioria dos doentes tem funcao testicular e fertilidade normais, podendo uma pequena percentagem apresentar testicular adrenal rest tumors (TART) ou oligospermia com infertilidade associada3.
Nao há consenso quanto ao facto de, se um indivíduo ser portador heterozigoto, tal implicar um maior risco de desenvolver sintomas de hiperandrogenismo. Um estudo dinamarqués docu-mentou que a prevalencia de portadores heterozigotos era de 8,6% em 252 mulheres com hirsutismo e de 6,3% em 252 mulheres sem hirsutismo18.
Diagnóstico
Quando há suspeita clínica de HCSRNC deve ser efetuado o dose-amento de 17-OHP basal pela manha (por volta das 8 horas da manha). Nas mulheres é conveniente efetuar este doseamento no início da fase folicular do ciclo menstrual, uma vez que o corpo lúteo produz 17-OHP podendo originar falsos positivos se a colheita for feita na fase lútea do ciclo7. Este rastreio poderá também ter interesse em indivíduos com história familiar de HCSR e em mulheres com elevado risco de doenca atendendo a sua etnia4. Alguns autores defendem a realizacao do rastreio de HCSRNC no período pré-concecao em mulheres com sinais de hiperandrogenismo e dificuldade em engravidar, uma vez que é muito mais económico diagnosticar e tratar esta patologia do que efetuar um conjunto de estudos complementares associados a infertilidade e eventualmente realizar algumas técnicas e tratamentos de infer-tilidade que sao muito dispendiosos4.
Nos indivíduos com elevacao da 17-OHP basal, o diagnóstico de HCSR deve ser confirmado através de um teste de estimulacao com tetracosactídeo (ACTH sintética). Assim, valores de 17-OHP pela manha superiores a 2 ng/mL (6 nmol/L) ou superiores a 0,82 ng/mL (2,5 nmol/L) na infancia sao sugestivos de existencia de doenca1,3. Nestes casos deve ser efetuado o teste de estimulacao com ACTH, que consiste no doseamento de 17-OHP basal e 60 minutos após injecao endovenosa de 250 |ig de ACTH. Valores de 17-OHP aos 60 minutos entre 2-10ng/mL (6-30nmol/L) podem corresponder a portadores heterozigotos, valores entre 10-100ng/mL (30-300 nmol/L) sao sugestivos de HCSRNC e valores superiores a 100 ng/mL (300 nmol/L) sao sugestivos de forma clássica da doenca1,3,19 (fig. 2). Podem ainda estar presentes outras alteracoes analíticas, nomeadamente elevacao de progesterona, 17-hidroxipregnenelona, androstenediona, testosterona, assim como excrecao urinária aumentada de metabolitos da 17-OHP como o pregnanetriol3.
Figura 2. Valores de referencia para diagnóstico de hiperplasia congenita suprarrenal através da prova de estimulacao com ACTH.
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Este ponto de corte de 2 ng/mL (6 nmol/L) de 17-OHP basal, para haver indicado para fazer o teste de estimulado com ACTH, e o valor de corte de 10ng/dL (30 nmol/L) de 17-OHP após a injecao de ACTH para ser diagnóstico de HCSRNC, foram obtidos antes de haver estudos genéticos e tem sido muito contestados. Um estudo brasileiro sugere que o teste com ACTH deve ser realizado quando a 17-OHP basal for superior a 3,5 ng/mL (10,5 nmol/L), uma vez que este apresenta alta sensibilidade e bom valor preditivo negativo7. Com a era dos estudos moleculares verificou-se uma sobreposicao entre os níveis de 17-OHP após ACTH encontrada em individuos heterozigotos para mutacoes da forma clássica e doentes com o diagnóstico da forma nao clássica12.
Nas criancas recomenda-se fazer o perfil adrenocortical completo após o teste de estimulacao com ACTH para diferenciar a deficiencia de 21-OH de outros defeitos enzimáticos1.
Sugere-se fazer o estudo genético para efeitos de aconselha-mento genético e também nos casos em que o teste de estimulacao com ACTH é duvidoso, ou seja, quando se verificam respostas «borderline» com valores de 17-OHP entre 10-17 ng/mL (3051 nmol/L) após estimulacao com ACTH, com o objetivo de estes individuos nao serem falsamente rotulados de HCSRNC, quando podem apenas corresponder a portadores heterozigotos12. Como o estudo molecular nao está disponível em todos os centros, nestes casos difíceis os parámetros clínicos de excesso de androgénios como avanco de idade óssea, clitoromegalia, hirsutismo acentuado ou infertilidade devem ser tidos em conta para introducao ou nao de terapeutica3.
Devido a variacao na concentracao hormonal condicionada pelo ritmo circadiano, ao fazer apenas o doseamento basal de 17-OHP pode ser perdido o diagnóstico, razao pela qual o teste de estimulacao com ACTH deve ser efetuado sempre que haja forte suspeita do diagnóstico, mesmo que o doente apresente valores basais baixos de 17-OHP (inferiores a 2 ng/mL)7,19.
Os indivíduos portadores heterozigotos podem apresentar o mesmo tipo de alteracoes bioquímicas, mas com valores de 17-OHP menos elevados e pequenas respostas ao teste de estimulacao com ACTH (valores 17-OHP aos 60 minutos entre 2-10 ng/mL, ou seja, 6-30 nmol/L)1.
Tratamento
As criancas com HCSRNC podem beneficiar da terapeutica com glicocorticoides caso se verifique pubarca precoce com idade óssea avancada, com alto risco de fusao epifisária precoce que condicione baixa estatura final1,3. O tratamento consiste em hidrocortisona em baixas doses. Se as criancas sao assintomáticas nao há indicacao para tratamento. A introducao de terapeutica com o intuito de promover o crescimento nao é consensual e só poderá, eventualmente, ser efetuada quando a estatura é -2,25 desvios-padrao para idade e sexo1. Alguns estudos relatam a utilizacao de hormona do crescimento (GH) e de análogos de LHRH em criancas com HCSRNC com idade óssea avancada, com melhoria na estatura final alcancada em relacao a esperada antes de iniciar o tratamento20.
Nas mulheres, sao indicacoes para tratamento a existencia de hirsutismo, acne, oligomenorreia ou infertilidade1,3. No período pré-concecao poderá também ser efetuada terapeutica com gli-cocorticoides uma vez que esta parece estar associada a uma diminuicao do risco de abortamento espontaneo15,21. No caso de nao se pretender uma gravidez, a terapeutica de 1.a linha consiste na utilizacao de estroprogestativo e/ou antiandrogéneo, atendendo aos efeitos laterais dos glicocorticoides e ao facto de o hirsutismo necessitar de um tratamento prolongado13,22. No caso de a fertilidade ser desejada está indicado efetuar terapeutica com glicocorticoide e, se necessário, adicionar citrato de clomifeno ou outras técnicas de reproducao nos casos de oligomenorreia
ou anovulacao3,15,23. A terapeutica com glicocorticoides deve serna menor dose possível para obter resultados13, sendo habitualmente 10-20 mg/dia de hidrocortisona em 2 administrares por dia, 0,250,75 mg/dia de dexametasona a hora de deitar ou 5-7,5 mg/dia de prednisolona a hora de deitar4,15. Nao existe consenso no que diz respeito ao tipo de glicocorticoide a usar nem quanto a sua dose. Cerca de 36% dos endocrinologistas europeus utilizam hidrocorti-sona, 33% dexametasona (este é o fármaco habitualmente usado na pré-concecao para induzir ovulacao) e 14% prednisolona1. Se a gravidez for obtida sob corticoterapia, a sua manutencao durante a gestacao deve ser ponderada caso a caso: poderá ser reduzida gradualmente até a sua suspensao (o que vai diminuir a sua iatrogenia) ou poderá eventualmente ser mantida quando a doente já fazia glu-cocorticoides previamente a gravidez e nao apenas na inducao da ovulacao. Nao deve ser utilizada a dexametasona durante a gravidez uma vez que esta atravessa a placenta, exceto quando se pretende suprimir a funcao suprarrenal do feto (nos casos de risco de descendencia do sexo feminino com forma clássica da doenca)13. O tratamento com glicocorticoide pode ser interrompido quando a mulher já nao pretende novamente engravidar, contudo, se os sintomas de hiperandrogenismo persistirem, a doente pode beneficiar de efetuar um estroprogestativo3. O tempo para regressao dos sintomas pode ser de 3 meses no caso de acne ou irregularidades menstruais, mas pode demorar mais de 2 anos nos casos de hirsutismo1,4. Será também importante associar medidas cosméticas para obter bons resultados no tratamento do hirsutismo1,23. A terapeutica antiandrogénica pode também ser utilizada em casos de alopecia androgénica em doentes do sexo feminino10.
Nos doentes do sexo masculino o tratamento da HCSRNC é des-necessário, exceto se existir oligospermia e desejo de fertilidade ou se houver evidencia de TART', o que é muito raro na forma nao clássica1,6. A posologia do tratamento glicocorticoide é similar a descrita para os doentes do sexo feminino, contudo, também nao há consenso de qual será o fármaco ideal ou a dose mais adequada, sendo necessários mais estudos. O tratamento pode ser interrompido quando o doente nao quiser ter mais filhos.
Monitorizacao do tratamento nos adultos
Os adultos com HCSRNC devem ser avaliados clínica e analiticamente pelo menos uma vez por ano1.
Nos doentes do sexo feminino o objetivo é normalizar os níveis de androgénios no sentido de obter uma regularizacao dos ciclos menstruais e uma diminuicao dos sinais e sintomas de hiperan-drogenismo. Os objetivos laboratoriais consistem em normalizar os níveis de androstenediona e testosterona1,10; a normalizacao dos níveis de 17-OHP normalmente significa um excesso de glicocorticoides, exceto nos casos de inducao da ovulacao10.
Nos doentes do sexo masculino a monitorizacao bioquímica do tratamento deve ser efetuada com doseamentos de 17-OHP que deve estar ligeiramente acima do normal ou suprimida se existencia de TART', de androstenediona que deve estar ligeira-mente elevada, de testosterona e de gonadotrofinas que devem ser normais1. Os níveis de testosterona refletem predominantemente a funcao gonadal e nao a funcao suprarrenal, sendo preferível dosear a androstenediona na monitorizacao do tratamento1.
Nao sao necessárias doses de glicocorticoides de stress, exceto se houver supressao iatrogénica do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. É importante vigiar a densidade mineral óssea1,10.
Aconselhamento genético
Será importante efetuar aconselhamento genético quando o casal já teve um filho com HCSR ou quando um dos progenitores apresenta a doenca na sua forma clássica ou nao clássica1. Deve
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ser explicado que a HCSR é uma doenca autossómica recessiva. No caso de o casal já ter tido um filho com HCSR, a probabilidade de ter outro feto com HCSR é de 25% (1/4) e a probabilidade de ter um feto do sexo feminino com HCSR é 12,5% (1/8). No caso de um dos progenitores ter HCSR forma clássica e, considerando uma frequencia de portadores de HCSR na populacao geral de 1,6%, a probabilidade de ter um feto do sexo feminino com HCSR é de 0,4% ([100% de probabilidade de um progenitor ser portador de 2 alelos com mutacao clássica] x [1,6% de probabilidade do outro progenitor ser portador de alelo com mutacao clássica que é igual a da populacao em geral] x [50% de probabilidade de progenitor portador transmitir o alelo mutado] x [50% de probabilidade de o feto ser do sexo feminino]). No caso de um dos progenitores ter HCSR forma nao clássica, atendendo ao facto de que pelo menos cerca de metade destes doentes apresentam o outro alelo com mutacao que causa HCSR clássica10,15, a probabilidade de ter um feto do sexo feminino com HCSR é de 0,1% ([50% de probabilidade de o doente ter o outro alelo com mutacao clássica] x [1,6% de probabilidade do outro progenitor ser portador de alelo com mutacao clássica que é igual a da populacao em geral] x [25% de probabilidade de ambos os alelos com mutacao clássica serem transmitidos para o feto] x [50% de probabilidade de o feto ser do sexo feminino])3. Nestas 2 últimas situacoes, seria benéfico efetuar o estudo genético ao outro progenitor21.
Diagnóstico pré-natal
O diagnóstico pré-natal de HCSR pode ser efetuado através do estudo genético a partir de tecido das vilosidades coriónicas (obtido por biópsia entre as 9-11 semanas de gestacao) ou de células do líquido amniótico (obtidas por amniocentese entre as 15-18 semanas de gestacao), contudo, o estudo do gene CYP21 nao deteta todas as mutacoes e nao está sempre disponível3,17. O diagnóstico pré-natal pode ainda ser realizado através do doseamento de 17-OHP no líquido amniótico colhido por amniocentese, contudo, este método nao pode ser usado em maes que estejam medicadas com dexametasona por esta suprimir o córtex adrenal do feto, a nao ser que este tratamento seja interrompido cerca de 5-7 dias antes da amniocentese3.
Terapéutica pré-natal
Uma vez que a terapeutica pré-natal apresenta risco de malformacoes do feto e iatrogenia nao desprezível na grávida, recomenda-se que esta seja utilizada apenas em situacoes muito específicas e de acordo com os protocolos de cada centro1,24. Esta terapéutica provoca bloqueio da producao adrenal do feto, estando reservada apenas para gestacoes com risco de feto com hiperpla-sia adrenal congénita clássica do sexo feminino com o objetivo de evitar virilizacao ou ambiguidade genital. Contudo, é importante informar os progenitores de que esta terapeutica nao evita a necessidade de efetuar tratamento pós-natal nos bebés com hiper-plasia congénita da suprarrenal, ou seja, nao evita o aparecimento da doenca. O tratamento consiste na administracao a grávida de dexametasona, uma vez que esta atravessa a placenta, na dose de 20ug/kg/dia (de acordo com o peso pré-gestacional), num máximo de 1,5 mg/dia dividida em 3 administrares, devendo ser iniciada antes da 8.a semana de gestacao3. O sucesso é alcanzado em 8085% dos casos1 e os motivos de insucesso sao essencialmente um início tardio do tratamento, a falta de adesao ou a dose subte-rapeutica. A dexametasona deve ser interrompida quando o feto é do sexo masculino ou quando o diagnóstico pré-natal exclui a forma clássica da doenca4. Esta terapéutica apresenta riscos para o feto nomeadamente malformacoes congénitas como hipertrofia dos septos cardíacos ou fendas a nível orofacial1. Cerca de 10% das
mulheres grávidas submetidas a esta terapeutica podem apresen-tar síndrome de Cushing iatrogénica, ganho ponderal excessivo, hipertensao arterial ou diabetes gestacional1,10.
Rastreio bioquímico neonatal
O rastreio de HCSR é efetuado através do doseamento de 17-OHP entre as 48-72 horas de vida. A prematuridade, o baixo peso e as patologias neonatais estao associados a falsos positivos e as formas mais leves de HCSR associam-se a falsos negativos como é o caso das formas nao clássicas1,3. Está recomendada a utilizacao de um protocolo com 2 níveis, que consiste num imunoensaio em papel de filtro, seguido de um teste de confirmacao no caso de resultados positivos para o primeiro teste25. Este rastreio apre-senta cerca de 98% de sensibilidade e apenas 2% de especificidade, sendo os rastreios positivos abordados de acordo com a regiao. A Sociedade Europeia de Endocrinologia recomenda a realizacao de rastreio neonatal em todos os recém-nascidos1, o que iria permitir diagnosticar a forma perdedora de sal que é potencialmente letal, especialmente nos rapazes, uma vez que nao apresentam ambiguidade genital e permitir também diagnosticar as formas virilizantes e tratá-las atempadamente. Quando se obtém um ras-treio positivo é iniciada terapeutica e o bebé é enviado para observacao por uma unidade de endocrinologia pediátrica, uma vez que tem indicacao fazer teste de estimulacao com ACTH e estudo de outras hormonas para além da 17-OHP, nomeadamente cortisol, desoxicorticosterona, 11-desoxicortisol, 17OH-pregnenolona, DHEA e androstenediona1. A realizacao deste rastreio associado ao teste de estimulacao com ACTH poderá também ser benéfica nos filhos de maes com HCSRNC uma vez que parece que a prevalencia de situacoes de HCSR será bem superior a estimada matematicamente (2,5 vs 0,2%)15 e também porque irá permitir o diagnóstico precoce de situacoes de HCSR clássica e nao clássica e assim estar alerta para os seus sinais e sintomas1.
Conclusao
A HCSRNC é uma doenca autossómica recessiva comum e manifesta-se habitualmente na infancia tardia, adolescencia ou iní-cio da vida adulta. Os sintomas típicos sao pubarca prematura, hirsutismo, oligomenorreia, acne e infertilidade. Pode também ser assintomática. Apesar de ser uma doenca genética, o seu diagnóstico é essencialmente laboratorial através do doseamento basal de 17-OHP e da realizacao do teste de estimulacao com ACTH. O tratamento só é necessário caso haja sintomatologia e deve ser individualizado de acordo com o sexo e idade do doente e também atendendo ao desejo ou nao de uma gravidez. Este nao se resume apenas a utilizacao de glicocorticoides, podendo também consistir no uso de uma pílula estroprogestativa, de medicacao antiandro-génica ou de medidas cosméticas. O rastreio bioquímico neonatal habitualmente nao deteta casos de HCSRNC.
Conflito de interesses
Os autores declaram nao haver conflito de interesses.
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