J Pediatr (Rio J). 2016;92(6):595-601
ARTIGO ORIGINAL
Prenatal, perinatal and postnatal factors associated with autism spectrum disorder^
CrossMark
Imen Hadjkacem3 *, Héla Ayadia, Mariem Turkia, Sourour Yaichb,
Khaoula Khemekhema, Adel Walhaa, Leila Cherifa, Yousr Moallaa e Farhat Ghribia
a University of Sfax, Hedi Chaker Hospital, Department of Child and Adolescent Psychiatry, Sfax, Tunisia b University of Sfax, Hedi Chaker Hospital, Department of Community Medecine and Epidemiology, Sfax, Tunisia
Recebido em 19 de setembro de 2015; aceito em 27 de janeiro de 2016
KEYWORDS
Autism spectrum
disorder;
Child;
Risk factors; Prenatal; Perinatal; Postnatal
Abstract
Objective: To identify prenatal, perinatal and postnatal risk factors in children with autism spectrum disorder (ASD) by comparing them to their siblings without autistic disorders. Method: The present study is cross sectional and comparative. It was conducted over a period of three months (July-September 2014). It included 101 children: 50 ASD's children diagnosed according to DSM-5 criteria and 51 unaffected siblings. The severity of ASD was assessed by the CARS.
Results: Our study revealed a higher prevalence of prenatal, perinatal and postnatal factors in children with ASD in comparison with unaffected siblings. It showed also a significant association between perinatal and postnatal factors and ASD (respectively p = 0.03 and p = 0.042). In this group, perinatal factors were mainly as type of suffering acute fetal (26% of cases), long duration of delivery and prematurity (18% of cases for each factor), while postnatal factors were represented principally by respiratory infections (24%). As for parental factors, no correlation was found between advanced age of parents at the moment of the conception and ASD. Likewise, no correlation was observed between the severity of ASD and different factors. After logistic regression, the risk factors retained for autism in the final model were: male gender, prenatal urinary tract infection, acute fetal distress, difficult labor and respiratory infection. Conclusions: The present survey confirms the high prevalence of prenatal, perinatal and postnatal factors in children with ASD and suggests the intervention of some of these factors (acute fetal distress and difficult labor, among others), as determinant variables for the genesis of ASD.
© 2016 Published by Elsevier Editora Ltda. on behalf of Sociedade Brasileira de Pediatria. This is an open access article under the CC BY-NC-ND license (http://creativecommons.org/licenses/ by-nc-nd/4.0/).
DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.Org/10.1016/j.jped.2016.01.012
* Como citar este artigo: Hadjkacem I, Ayadi H, Turki M, Yaich S, Khemekhem K, Walha A, et al. Prenatal, perinatal and postnatal factors associated with autism spectrum disorder. J Pediatr (Rio J). 2016;92:595-601.
* Autor para correspondencia.
E-mail: hadjkacemimen@yahoo.fr (I. Hadjkacem).
2255-5536/© 2016 Publicado por Elsevier Editora Ltda. em nome de Sociedade Brasileira de Pediatria. Este é um artigo Open Access sob uma liceni;a CC BY-NC-ND (http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
Fatores pré-natais, perinatais e pós-natais associados ao transtorno do espectro do autismo
Resumo
Objetivo: Identificar fatores de risco pré-natal, perinatal e pós-natal em criancas com transtorno do espectro do autismo (TEA) ao compará-las com irmaos sem transtornos de autismo. Método: Estudo é transversal e comparativo. Foi conduzido em tres meses (julho a setembro de 2014). Incluiu 101 criancas: 50 com TEA diagnosticadas de acordo com os critérios do DSM-5 e 51 irmaos nao afetados. A gravidade do TEA foi avaliada pela Escala de Avaliacao do Autismo na Infancia (CARS).
Resultados: Nosso estudo revelou uma prevalencia maior de fatores pré-natais, perinatais e pós--natais em criancas com TEA em comparacao com irmaos nao afetados. Também mostrou uma associacao significativa entre fatores perinatais e pós-natais e TEA (respectivamente p = 0,03 e p = 0,042). Nesse grupo, os fatores perinatais foram principalmente do tipo sofrimento fetal agudo (26% dos casos), longa duracao do parto e prematuridade (18% dos casos em cada fator), ao passo que fatores pós-natais foram representados principalmente por infeccoes respiratórias (24%). No que diz respeito a fatores dos pais, nenhuma correlacao foi encontrada entre a idade avancada dos pais no momento da concepcao e o TEA. Da mesma forma, nenhuma correlacao foi estabelecida entre a gravidade do TEA e fatores diferentes.
Após regressao logística, os fatores de risco de autismo encontrados no modelo final foram: sexo masculino, infeccao pré-natal do trato urinário, sofrimento fetal agudo, parto difícil e infeccao respiratória.
Conclusoes: Esta pesquisa confirma a alta prevalencia de fatores pré-natais, perinatais e pós-natais em criancas com TEA e sugere a intervencao de alguns desses fatores (sofrimento fetal agudo, parto difícil) como variáveis determinantes para a genese do TEA. © 2016 Publicado por Elsevier Editora Ltda. em nome de Sociedade Brasileira de Pediatria. Este e um artigo Open Access sob uma licenca CC BY-NC-ND (http://creativecommons.org/licenses/ by-nc-nd/4.0/).
PALAVRAS-CHAVE
Transtorno do espectro do autismo; Crianca;
Fatores de risco; Pré-natal; Perinatal; Pós-natal
Introduçâo
O transtorno do espectro do autismo (TEA) é uma condicâo complexa do desenvolvimento neurológico. De acordo com a 5a ediçâo do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM 5), os critérios específicos para diagnóstico de autismo na infância incluem déficit de habilidades e comunicacâo sociais associado a comportamentos, interesses ou atividades restritivos, bem como repetitivos.1 O TEA atualmente é uma das morbidades infantis mais comuns, apresenta-se em vários graus de gravidade. A última pre-valência global de autismo foi estimada em 0,62%.2
Esse transtorno tem se tornado um desafio constante para muitos países como a Tunísia, pois tem um impacto severo tanto sobre os individuos afetados quanto sobre suas familias. A carga financeira, que tem se tornado mais aguda desde a revolucâo tunisiana, juntamente com a falta de conhecimento científico sobre o transtorno (sua epidemiologia, etiologia e seu histórico natural) têm tornado a situacâo mais complexa.3"5
O espectro de sintomas, a extrema complexidade dos problemas médicos de desenvolvimento e outros associados ao TEA nâo significam necessariamente uma única etiologia. Várias hipóteses com relaçâo à patogênese têm sido propostas, incluindo a interacâo de fatores ambientais e várias predisposiçoes genéticas.5,6 Estudos com base em taxas de concordância entre gêmeos monozigóticos e familias suge-rem um possível papel de fatores tanto genéticos quanto ambientais na etiologia do TEA.7
Um estudo recente sugere que fatores genéticos repre-sentam apenas aproximadamente 35-40% dos elementos que contribuem para o transtorno.8,9 Os outros 60-65% provavel-mente se devem a outros fatores, como fatores ambientais pré-natais, perinatais e pós-natais. Como os TEAs sao transtornos do neurodesenvolvimento, complicaccoes no período neonatal marcadoras de eventos ou processos que surgem no início do período perinatal poderao ser fatores particularmente importantes a serem considerados.8
Até onde sabemos, na Tunísia, até agora nao há estudo que tenha levado em consideracao a relacao entre fatores de risco pré-natal, perinatal e pós-natal e TEA.
Dessa forma, o objetivo de nosso estudo é identificar os fatores pré, peri e pós-natais relacionados ao TEA ao comparar crianccas com TEA com seus irmaos que nao sofrem de transtorno de autismo.
Métodos Estudo
Nosso estudo foi transversal e comparativo. Foi conduzido em três meses, de julho a setembro de 2014.
Populaçâo
Participantes. Nossa amostra incluiu 101 criancas divididas em dois grupos:
1. O primeiro grupo é composto de 50 criancas autistas previamente identificadas e acompanhadas regularmente no Departamento de Psiquiatria da Crianca e do Adolescente do Hospital Hédi Chaker de Sfax (Tunísia). Esses pacientes vem de diferentes regioes da Tunísia, já que existem apenas tres departamentos de psiquiatria infantil em todo o país. Os individuos tem entre 3 e 7 anos.
2. O segundo grupo é composto de 51 criancas nao autistas. Elas tem entre 3 e 12 anos.
Critérios de inclusao e exclusao
Criterios de inclusao.
- No primeiro grupo, criancas que reuniram os critérios do DSM 5 para TEA e cuja pontuacao na escala de avaliacao do autismo na infancia (CARS) foi > 30.
- No segundo grupo, irmaos nao afetados como grupo de controle.
Nos dois grupos, as crianccas tinham pelo menos 3 anos. Esse critério para selecao de idade tem como base o fato de que o reconhecimento do TEA tem um nível elevado de certeza aos 3 anos.
Critérios de exclusao. Doencas neurogenéticas conhecidas (p. ex., esclerose tuberosa, neurofibromatose, síndrome do X frágil, síndrome de Down).
O grupo de controle compartilhou os critérios de exclu-sao.
Ferramentas
Critérios Diagnósticos do DSM-5 para TEA
No DSM-5, o TEA abrange o transtorno autista (autismo), o transtorno de Asperger, o transtorno desintegrativo da infancia e o transtorno invasivo do desenvolvimento do DSM-IV anterior nao especificados de outra forma.1
Escala de Avaliacao do Autismo na Infancia (CARS) Avalia a intensidade da sintomatologia do TEA e a gravidade de comportamentos autistas em 14 áreas funcionais ao atribuir uma pontuacao de 1 a 4. Uma pontuacao geral é calculada ao se acrescentarem todas as notas para situar tres níveis: ''autismo severo'' (pontuacao entre 37 e 60), ''autismo leve a moderado'' (pontuacao entre 30 e 36,5) e ''inexistencia de TEA'' (pontuacao inferior a 30).10 O tempo para aplicaccao dessa escala é de 20 a 30 minutos.
Procedimentos
Todos os procedimentos de estudo foram aprovados pelo Comité de Ética em Pesquisa local.
O consentimento informal dos pais ou responsáveis legais dos participantes foi obtido depois que a natureza dos pro-cedimentos foi totalmente explicada.
Um psiquiatra infantil adequadamente treinado entrevis-tou maes, 78% dos casos, pais, 4% dos casos, e maes e pais, 18% dos casos.
Os pais preencheram um questionário sobre o histórico de saúde com uma combinacao de perguntas fechadas e abertas a respeito da gravidez, do parto e das complicacoes durante e após o nascimento. Além disso, os dados foram coletados no registro médico e no prontuário médico do nascimento.
As variáveis estudadas foram projetadas de acordo com os fatores de risco provável de TEA da literatura existente. As variáveis a seguir, levadas em consideraccao para os 2 grupos, foram classificadas como fatores dos pais e características pré, peri e pós-natais e codificadas em uma variável binária (sim/nao).
Fatores dos pais: Idade materna e paterna avancada no momento da concepccao (> 35 anos), consanguinidade.
Fatores pré-natais: Doencas que surgem durante a gravidez, como diabetes gestacional (que normalmente se desenvolve na segunda metade da gravidez), pressao arterial alta e baixa, infecccoes gestacionais, sofrimento fetal que induz condiccoes de aborto iminente como perda de líquido amniótico e sangramento durante a gestacao, bem como condiccoes intrauterinas subideais.
Fatores perinatais: Características do parto como nas-cimento a termo (nascimento prematuro ou pós-termo), tipo de parto, incluindo parto com fórceps ou cesárea, sofrimento fetal agudo e peso ao nascer (baixo peso ao nas-cer<2.500ge macrossomia>4.000g).
Fatores pós-natais: Todas as doencas que ocorrem nas primeiras seis semanas após o nascimento, como infecccoes respiratórias e urinárias, déficit auditivo (perda de 30 dB) e doenccas hematológicas, como anemia e trombocitopenia.
O diagnóstico de infecccoes respiratórias e urinárias foi mantido durante internaccoes em serviccos pediátricos.
Análise estatística
Foi feita com o Pacote Estatístico para as Ciencias Sociais (IBM Corp. Released 2011. IBM SPSS Estatísticas para Windows, versao 20.0, EUA), incluindo:
Um estudo descritivo: observamos as frequencias das variáveis quantitativas e a média com desvio padrao das variáveis qualitativas.
Um estudo analítico: usamos o coeficiente de correlaccao de Pearson para estabelecer correlaccoes entre os dois grupos. O nível de relevancia estatística foi estabelecido no valor de p < 0,05 (nível alfa de 5%).
Uma análise multivariável: a regressao logística foi feita para identificar fatores de risco de autismo. Levaram-se em consideraccao fatores de confusao e usou-se o método de arredondamento para baixo de Wald.
Inicialmente, incluímos todas as variáveis associadas de forma significativa ao autismo na análise univariável e aque-las consideradas fatores de risco na literatura. O nível de significancia foi estabelecido em 20%. A precisao do modelo final foi verificada e calculada de acordo com o teste de Hosmer-Lemeshow. Os resultados foram expressos pela razao de chance ajustada (RCa) com seus intervalos de confianca, IC95% (RCa).
Resultados
Perfil clínico de criancas com TEA
Nosso estudo incluiu 50 crianccas. Constatamos uma predominancia do sexo masculino (37 meninos e 13 meninas), um nível socioeconómico moderado em 90% dos casos e uma predominancia de TEA leve a moderado na CARS (62%, em comparaccao com 38% da forma grave).
Tabela 1 Idade dos pais no momento da concepcâo nos dois grupos
i Autismo leve a moderado mAutismo severo
Grupo 1 Grupo 2 Valor de p
N % N %
< 35 anos 17 34 25 50,9 0,12
> 35 anos 33 66 26 49,01
< 35 anos 38 72 41 80,4 0,59
> 35 anos 12 24 10 19,6
Fatores dos pais
A tabela 1 apresenta a distribuicâo da idade dos pais no momento da concepçcâo em ambos os grupos. Ela indica que a taxa de idade avancada (> 35 anos) entre pais no momento da concepçcâo foi mais alta em criançcas com TEA do que em seus irmâos (66%, em comparacâo com 49,01% para pais, e 24%, em comparacâo com 19,6% para mâes), porém a diferencça nâo foi estatisticamente significativa.
Em nosso estudo, a taxa de consanguinidade foi de 28% (1° grau em 31% dos casos, 2° grau em 26% dos casos e 3° grau em 43% dos casos).
Fatores pré-natais, perinatais e pós-natais
A tabela 2 mostra uma comparacâo de fatores pré-natais, perinatais e pós-natais entre os dois grupos. Embora nâo tenha sido encontrada uma relevância estatistica entre fatores pré-natais e os dois grupos (p = 0,13), a prevalência foi mais alta no primeiro grupo (50%, em comparaçcâo com 35,3%). A tabela 2 mostra que os fatores perinatais foram mais frequentes no primeiro grupo, com uma taxa de 60%, em comparacâo com 11,8% no segundo grupo, com uma relacâo estatisticamente significativa (p = 0,03). Os fatores perinatais mais frequentes encontrados no grupo com TEA foram sofrimento fetal agudo (26%), prematuridade e difi-culdades no parto observadas em 18%, em cada caso.
Quanto aos fatores pós-natais, estavam associados ao TEA (40% no 1° grupo, em comparacâo com 9,8% no 2° grupo, p = 0,042). Esses fatores eram principalmente um tipo de infecçâo respiratória (24% dos casos no 1° grupo).
A tabela 3 mostra que após a regressâo logística os fatores de risco de autismo encontrados no modelo final foram: sexo masculino, infecçcâo do trato urinário antes do nascimento, sofrimento fetal agudo, dificuldades no parto e infecçcâo res-piratória.
A figura 1 mostra a distribuicâo de fatores pré-natais, perinatais e pós-natais de acordo com a gravidade do autismo.
Nâo encontramos associaçcâo entre a gravidade do autismo e os fatores pré-natais, perinatais e pós-natais.
Discussâo
Esta pesquisa discute as complicares pré-natais, perinatais e pós-natais, bem como algumas características dos pais, que poderiam ser consideradas fatores de risco de TEA
p = 0,16
p = 0,5
p = 0,2
Fatores pré-natais
Fatores perinatais
Fatores pós-natais
Figura 1 Distribuicao de fatores pré-natais, perinatais e pós-natais de acordo com a gravidade do TEA (50 casos no total).
Fatores dos pais
Estudos anteriores relacionaram idade avanccada materna e paterna ao aumento do risco de TEAs.11,12
Em nosso estudo, escolhemos 35 anos como idade limite dos pais. Essa escolha teve como base as idades recomendadas por muitos autores.11-13 Embora nao tenhamos encontrado uma correlaccao entre a idade avanccada de ambos os pais no momento da concepcao e o TEA, a frequen-cia de pais com mais de 35 anos foi mais alta em crianccas com TEA do que em seus irmaos (24%, em comparaccao com 19,6% para idade materna, e 67%, em comparacao com quase 50% para idade paterna, respectivamente).
As teorias que defendem a associaccao entre a idade dos pais e o aumento do risco de TEAs incluem a possibilidade de mais mutaccoes genéticas nos gametas de pais e maes mais velhos, bem como um ambiente uterino menos favorável em maes mais velhas, com mais complicaccoes obstétricas, como baixo peso ao nascer, prematuridade e hipóxia cerebral.11
Ademais, de acordo com alguns estudos, a alta prevalen-cia de doencas crónicas entre mulheres mais velhas poderia contribuir para ampliar o risco de resultados adversos no nascimento.12,14 Dados da literatura que tentam explicar o aumento do risco de TEAs entre maes mais velhas indicaram o risco elevado de complicaccoes obstétricas observado nessas maes.11,12,14 Adicionalmente, anomalias congenitas também sao mais comuns nos fetos e neonatos de maes mais velhas e essas doenccas contribuem para o aumento do risco de TEA.
Em nosso estudo, constatamos uma taxa de 28% de con-sanguinidade. Na literatura, afirma-se que o casamento consanguíneo aumenta as chances de herdar um DNA ruim, o que definitivamente resulta em um defeito de nascenca. Doenccas inatas podem causar outras anomalias e o autismo também pode ser provocado por outras doencas.15 Como o grupo de controle, em nosso estudo, é representado pelos irmaos concebidos e nascidos dos mesmos pais biológicos, a consanguinidade nao poderia ser avaliada como um fator de risco de TEA.
Fatores pré-natais, perinatais e pós-natais
Na atual pesquisa, nenhuma correlaccao foi encontrada entre a gravidade do TEA e fatores pré-natais,
a Baixo peso ao nascer< 2.500 g. b Macrossomia> 4.000g. c Déficit auditivo (perda de 30dB).
d Doencas hematológicas incluem um caso de anemia no G1 e um caso de anemia e um caso de trombocitopenia no G2.
Tabela 2 Correlacao entre fatores pré, peri e pós-natais e os dois grupos
Grupo 1 (N = 50) Grupo 2 (N = 51) Valor de p
N % N %
Fatores pré-natais 25 50 18 35,3 0,13
Exposicao ao tabagismo 11 22 6 11,8 0,16
Infeccao urinária 6 12 2 3,9 0,16
Hipertensao na gravidez 5 10 3 5,9 0,48
Aborto iminente 5 10 3 5,9 0,48
Diabetes gestacional 4 8 1 2 0,2
Hipotensao 1 2 0 0 0,49
Fatores perinatais 30 60 6 11,8 0,01
Sofrimento fetal agudo 13 26 3 5,9 0,006
Prematuridade 9 18 0 0 0,001
Pós-termo 1 2 1 2 1
Parto difícil 9 18 3 5,9 0,06
Baixo peso ao nascera 6 12 1 2 0,06
Macrossomiab 3 6 1 2 0,36
Fatores pós-natais 20 40 5 9,8 <0,01
Infeccao respiratória 12 24 1 2 0,001
Infeccao urinária 3 6 1 2 0,36
Déficit auditivoc 2 4 0 0 0,24
Doenccas hematológicasd 1 2 2 3,9 1
perinatais e pós-natais. Nossos resultados estao de acordo com alguns estudos recentes.16,17 Inversamente, algumas hipóteses esperavam que a forma leve de autismo mostraria uma associaccao mais fraca ou nenhuma associaccao com fatores de risco obstétrico.
Fatores pré-natais
Em nosso estudo, a ocorrencia de infecccao materna foi mais alta entre casos de TEA em comparaccao com o grupo de controle (12% para o primeiro grupo, em comparacao com 3,9% para o grupo de controle).
De acordo com muitos estudos, o ambiente intrauterino adverso resultante de infecccoes bacterianas e virais maternas durante a gravidez representa um fator de
risco significativo para vários distúrbios neuropsiquiátricos, incluindo o TEA.15 A associacao entre inflamacao intrauterina, infeccao e TEA tem como base estudos epidemiológicos e relatos de caso. Aparentemente, essa associacao está relacionada com o processo inflamatório materno; assim, a ativacao do sistema imune materno poderá desempenhar um papel no transtorno do neurodesenvolvimento.
Em estudos com grandes populares, os pesquisadores nao encontraram uma infeccao específica, porém, em vez disso, uma maior taxa de TEA, principalmente quando a infeccao materna é bastante grave e requer internacao.15,18
Dentre os fatores pré-natais identificados neste estudo, a exposicao ao tabaco do cigarro (fumante passiva) foi observada em 22% dos casos. Estudos epidemiológicos retrospectivos descobriram entre as maes de crianccas com
Tabela 3 Análise ajustada de fatores de risco de TEA
Covariáveis Análise univariada Análise multivariada
RC P RCa IC95% (RCa) p
Sexo 2,15 0,07 2,5 [0,9-6,9] 0,07
Exposiccao ao tabagismo 2,11 0,16 - - -
Infecccao urinária 3,34 0,16 5,7 [0,8-38,2] 0,07
Diabetes gestacional 4,34 0,2 - - -
Sofrimento fetal agudo 5,6 0,006 5,2 [1,2-21,6] 0,02
Prematuridade 0,001 - - -
Parto difícil 3,51 0,06 3,6 [0,8-16] 0,09
Baixo peso ao nascer 6,8 0,06 - - -
Infecccao respiratória 15,7 0,001 22,2 [2,5-191,03] 0,005
TEA um aumento significativo no percentual de mulheres expostas ao tabaco durante a concepcâo da criança. Assim, o fumo materno foi considerado um possível fator materno de confusâo, bem como outras substâncias químicas tóxicas.6 Alguns autores demonstraram que o tabagismo materno na gravidez poderá exercer um impacto comutativo sobre a linhagem das células reprodutivas da mâe e também está associado ao aumento da taxa de aborto espontâneo, ao parto prematuro, ao peso reduzido ao nascer.19 Os achados a respeito da relacâo com TEA ainda sâo controversos.20"22 Este estudo mostrou que a frequência de diabetes gesta-cional foi mais alta no primeiro grupo (8%, em comparacâo com 2% no 2° grupo).
De acordo com alguns autores, a diabetes gestacional está associada principalmente a distúrbios do cresci-mento fetal e uma taxa maior de diversas complicares na gravidez.23 A diabetes gestacional também afeta a coordenacâo motora fina e grossa e aumenta a taxa de difi-culdades de aprendizagem e de transtorno do déficit de atençcâo com hiperatividade, comorbidade neurocomporta-mental comum no TEA. Os efeitos negativos da diabetes materna sobre o cérebro poderâo resultar do aumento do estresse oxidativo fetal intrauterino e de alterares epigenéticas na expressâo de vários genes. O aumento do risco percebido poderá estar relacionado com outras complicares na gravidez comuns na diabetes ou com efei-tos sobre o crescimento fetal, em vez de complicares de hiperglicemia. Também nâo se sabe se o controle ideal da diabetes favorecerá a reducçâo dessa associaçcâo.23
Devido ao aumento de sua incidência, a diabetes materna foi considerada por vários estudos uma candidata óbvia a ser associada ao TEA, ao passo que outras doençcas nâo demons-traram essas associacoes.15,20,23
Nesta pesquisa, hipertensâo, hipotensâo e aborto imi-nente foram mais frequentes no 1° grupo em comparacâo com o 2° grupo (10%, em comparaçâo com 5,9%; 2%, em comparacâo com 0%, e 10%, em comparacâo com 5,9%, respectivamente). Essas condiçoes normalmente estâo relacionadas com a perda fetal e com resultados adversos no neonato, como prematuridade, retardo do crescimento intrauterino, natimortalidade e óbito neonatal, o que indica sofrimento fetal. Da mesma forma, a hipóxia fetal é uma das manifestares desse sofrimento fetal e há relatos de que ela induz condicoes como ruptura da placenta, parto prematuro iminente, cesárea de emergência, parto com fórceps, aborto espontâneo com diferentes graus de dano cerebral.4,5 Dessa forma, o TEA foi relacionado com o sofrimento fetal: a privaçcâo de oxigênio poderia prejudi-car regioes vulneráveis do cérebro, como os gânglios da base, o hipocampo e os ventrículos laterais. Alguns estudos de neuroimagem demonstraram anomalias nessas regioes entre pacientes com TEA em comparaçcâo com grupos de controle.5,14
Fatores perinatais
Em nossa série, os fatores perinatais estavam associados ao TEA de maneira muito significativa (p = 0,03). Esse resultado é compatível com a literatura.4,24 Na verdade, as complicaçcoes durante o parto afetam o neurodesenvolvi-mento do feto e do neonato em estágios posteriores e podem contribuir para o risco de TEA.
A pesquisa atual também sugere que fatores obstétricos ocorrem com mais frequência em criançcas com TEA do que em seus irmâos nâo afetados. Nossos resultados se jun-tam a outros estudos que relatam uma relaçâo entre fatores perinatais e TEA.
Os fatores perinatais foram representados por uma longa duracâo do parto e prematuridade em 18% dos casos cada um e sofrimento fetal agudo em 26% dos casos. Portanto, admite-se que essas doencas poderâo levar ao sofrimento fetal e à asfixia e resultar em dano cerebral. Foi proposto que a privacçâo de oxigênio fetal aumenta o risco de TEA. Recentemente, pesquisas destacaram a ocorrência de TEAs em bebês muito prematuros, além de já se terem identificado transtornos de desenvolvimento.4,14,24
Fatores pós-natais
Nossos achados se juntam aos estudos anteriores, suge-rem que acontecimentos pós-natais podem aumentar o risco de TEAs em algumas criancas.4 De fato, encontramos uma associaçcâo significativa entre fatores pós-natais e TEA (p = 0,042). '
Em nosso estudo, encontramos uma associacçâo entre infeccöes dos tratos urinário e respiratório e TEA. Esses achados podem ser explicados pela liberacçâo de citoci-nas como respostas imunes do bebê a essas infeccöes, que podem afetar a proliferaçcâo e a diferenciaçcâo de células neurais. Essas disfuncöes sâo conhecidas pela associacâo com o TEA.5,25
Déficits auditivos foram mais comuns no 1° grupo (4%, em comparaçcâo com 0% no 20 grupo). Nossos resultados se juntam aos de Fombonne,26 que relata, em uma metanálise, que a prevalência de déficits sensoriais no autismo varia de 0,9% a 5,9%.
Rosenhall et al.27 estimaram em seu estudo feito em 199 criancas e adolescentes com TEA que a prevalência de deficiência auditiva no autismo é dez vezes maior do que na populacâo geral (11%). Eles também observaram que 7,9% dos pacientes apresentaram uma perda auditiva média, ao passo que 3,5% eram profundamente surdos e 18% apresenta-ram hiperacusia no audiograma mesmo quando o fator idade era controlado. Mais recentemente, Kielinen et al.28 observaram em uma populacâo de crianças com autismo que 8,6% apresentam uma ligeira perda auditiva, 7%, um déficit moderado e 1,6%, uma deficiência grave (perda auditiva em mais de 60dB na audiometria).
A força do presente estudo reside na confirmaçâo precisa do TEA, na participaçcâo ativa dos pais e no uso dos irmâos nâo afetados como grupo de controle. Esse último recurso poderá ajudar na identificaçâo de fatores de risco e no controle do histórico hereditário, do ambiente familiar e da predisposiçâo materna a complicacöes na gravidez ou no nascimento.
Entretanto, esta pesquisa tem algumas limitacöes. Por exemplo, o número limitado das amostras. É por isso que esses resultados devem ser concluídos por estudos epidemiológicos em grande escala e mediante uma maior populaçcâo. Para enfrentar a questâo do TEA e a consanguinidade, uma maior populaçcâo com e sem consanguinidade deve ser ava-liada.
Em nosso estudo, nenhum fator individual no período pré-natal foi sistematicamente significativo como um fator
de risco de TEA. Na literatura, alguns desses fatores foram associados ao autismo e, a partir daí, devem ser considerados como fatores de risco potencial, bem como eventos perinatais e pós-natais.
Fatores pré-natais, perinatais e pós-natais do TEA devem ser considerados no sentido mais amplo: esses eventos dos ambientes fetal, neonatal e infantil poderiam interagir ou contribuir, em combinacao com outros cofatores (ambientais, genéticos), para constituir uma síndrome autista. As pontuacoes indicam que, em vez de se concentrarem em um único fator, estudos futuros devem investigar a combinacao de vários fatores.
Conflitos de interesse
Os autores declaram nao haver conflitos de interesse. Referencias
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